A Seca do
Quinze ganhou projeção na obra publicada por Rachel de Queiroz em 1930 e
continua povoando o imaginário do sertanejo até hoje, quando a estiagem de três
anos promete se prolongar. Um século depois, o verbo do sertão continua o
mesmo: escapar
Antes , não
apenas os animais morriam nas secas prolongadas. Hoje, apenas eles morrem, mas
as marcas ficaram na memória
FOTO:
FABIANE DE PAULA
Entramos no
que promete ser o quarto ano de seca seguido. Cem anos depois d’O Quinze, não
se vê mais gente deixar suas casas no sertão para viajar atrás de sustento no
Norte ou Sudeste do País. Ainda assim, a comparação entre os quinzes é
inevitável na voz do sertanejo que pinça da memória qualquer história ouvida
dos pais ou avós sobre aquele tempo.
>
Memórias de cem anos
> Passado
em ruínas
De tão
grande, uma dor de ausência deixou 1915 para povoar o imaginário e virar
comparação para as secas seguintes. Há quem diga que secura como a de hoje
nunca viu. Até os olhos d’água que esperançavam os retirantes findaram, e mesmo
as ações de convivência com a estiagem esbarram na devastação e nas mudanças
climáticas. O verbo do sertão em tempo de seca continua o mesmo de cem anos
atrás: escapar. Da fome, da falta de políticas efetivas, da invisibilidade.
A Seca do
Quinze ganhou projeção na literatura de Rachel de Queiroz. A obra mostra a
agonia de quem quer lutar e não pode. É ver gado emagrecer e roça não segurar
para saber que a melhor decisão é se retirar. Essa migração como destino
possível se aproxima da própria vida de Rachel, cuja família foi obrigada a
deixar a terra em 1917, rumo ao Rio de Janeiro.
Com a
linguagem simples do sertanejo, “O Quinze” expõe a tumultuada relação dos
primos Conceição e Vicente e a saga da família de Chico Bento na viagem de
Quixadá a Fortaleza. Ao final, a esperança de um futuro melhor leva a família
de Chico Bento a São Paulo, não sem antes sofrer de fome e viver a tristeza de
passar pelo Campo de Concentração do Alagadiço, que aglomerava retirantes sem
garantir-lhes o mínimo ao mesmo tempo que escondia a miséria dos habitantes da
Capital.
Rachel dá
visibilidade à realidade do povo nordestino, que ainda hoje guarda vestígios de
descaso e opressão. A principal medida de então para evitar o êxodo rural é a
construção de açudes e barragens, que reúne a população nas chamadas “frentes
de trabalho”, nas quais o ex-vaqueiro Chico Bento vai parar na tentativa
desesperada de dar de comer à família. A obra transmite a ideia do incômodo da
migração nordestina.
O sofrimento
da família de Chico Bento é o de todas as famílias de retirantes que encontram
no deslocamento a única saída para a situação de penúria em que vivem. A dor
por deixar parentes evidencia a força dos personagens, mesmo em momentos de
extremo sofrimento. A hostilidade da seca é mostrada em contraste com os fortes
laços de afeto ao sertão, que provocam saudade nos que partem porque quem deixa
a terra, o faz com o pensamento no retorno.
Não a toa,
“Não me deixes” - fazenda herdada por Rachel de Queiroz, em Quixadá - simboliza
o desejo do seu tio-avô, de não ver a família deixar a terra por causa da seca.
Mesmo morando no Rio de Janeiro, pelo menos uma vez por ano, enquanto viveu,
Rachel passava uma boa temporada na fazenda, sempre no “Bê-erre-o bró”, como
enfatiza Manoel Dias Tavares, de 71 anos, morador de “Não me deixes” desde
1954, quando foi construída. Irmã mais nova e herdeira de Rachel, Maria Luiza,
a Izinha, ainda mantém essa tradição, aos 88 anos, e nos fala sobre isso, por
telefone, de sua casa, no Rio de Janeiro, sem esconder a ansiedade pela próxima
visita. “‘Não me deixes’ é a minha casa do coração, é onde eu me sinto bem,
tanto faz se está seco ou chovendo”. Seu sentimento em relação à Seca do
Quinze? “Irritação! Passaram cem anos e as condições dos sertanejos são as mesmas.
Só não tem mais os retirantes”.
Mas o mundo
mudou nestes cem anos. O pequeno produtor rural que permanece em sua terra não
deixa de ter antena parabólica, TV, telefone celular, acesso à Internet. O
cavalo foi substituído pela moto e quase já não é necessário percorrer
quilômetros com uma lata d’água na cabeça. A cisterna está lá, não só para as
necessidades básicas, mas para a pequena produção que garanta comida no prato.
O Bolsa
Família e aposentadoria rural, também. Algumas paisagens, porém, continuam as
mesmas, como o chão rachado e a Caatinga que perde as folhas. Uma coisa é fato:
as memórias das secas insistem no pensamento do sertanejo, que valoriza o que
tem e nunca perde a esperança. É o que nos traz essa trilogia, que começa hoje
e vai até a próxima sexta-feira
Maristela
Crispim Editora assista esse Vídeo sobre a seca de 15 click aqui
Folha Serrana, um site criado para mostrar os fatos e cultura dos Bastiões/Iracema e toda a região jaguaribana...
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