As técnicas
usadas por ele para construção do buraco e a produção de desenhos em relevo
esculpidos fora e na parede do local chamaram a atenção.
Cavar
buracos e morar dentro deles faz parte da vida de Antônio Francisco Calado, 57,
há 25 anos. E por viver assim, o homem chama a atenção dos 3,5 mil moradores da
pequena cidade de Nova Roma, distrito judiciário da comarca de Iaciara e
distante 517 quilômetros de Goiânia. A história do “homem do buraco” despertou
também o interesse do juiz Everton Pereira Santos. Ao analisar o processo de
Antônio, logo determinou uma inspeção judicial no local, com o objetivo de
constatar não somente a sua incapacidade, mas principalmente suas condições de
vida.
Para chegar
à “casa” de seu Antônio, a viagem foi longa e o juiz precisou da ajuda de
Raimunda Tereza Calado, irmã dele. A equipe que acompanhou o magistrado saiu do
fórum de Iaciara no final da tarde e só duas horas depois, às 18h30, encontrou
seu Antônio. Foram 50 quilômetros de asfalto até chegar em Nova Roma, mais 30
de estrada de chão e quase um quilômetro a pé até o buraco.
O horário
foi proposital. Segundo a irmã, Antônio sai do buraco todos os dias bem cedo e
só retorna no fim da tarde. Calmo, com panos que usa como roupa e carregando
preso ao corpo objetos como facão, faca, punhal, isqueiro e um artefato para
acender fogo, ele recebeu os visitantes enquanto misturava a comida, que lhe
serviria como jantar: arroz mal cozido, molho de pimenta com poucas verduras,
tudo preparado por ele. "Não vou oferecer, vocês não vão querer porque eu
não lavo a panela tem uns 10 anos", revelou. O alimento foi dividido com
uma raposa que ele pegou no mato e que lhe faz companhia. “Tem também esse aí,
o Barão”, disse, apontando para o cachorro. Os animais são os únicos companheiros
dele.
As frases
desconexas não permitiram uma conversa longa entre o magistrado e o homem do
buraco. Ao ser questionado sobre a sua mãe, que morreu em 2012, ele respondeu:
“Ela não foi embora, de vez em quando falo com ela, todos dias”, disse, confuso.
“O trovão e o raio também dizem o que eu devo fazer”, acrescentou.
Em alguns
momentos, ele demonstrava ter conhecimentos de como utilizar o fogo e sobre
armas para caça. Respondendo somente o que lhe era perguntado, afirmou que não
tem medo de o buraco desabar sobre ele porque tem plástico e madeira que
protegem o local. Antônio apresentou a “casa”. Na entrada, um oratório com
pequenas imagens que ele afirmou serem seus irmãos; depois um lugar para
guardar ferramentas. Havia ainda uma espécie de antessala com uma rede
pendurada, e, por fim, uma base de madeira com panos velhos por cima, que lhe
servia de cama. “A minha televisão é aqui em cima”, mostrou. A “televisão” era
um pequeno furo de ventilação no teto da caverna, por onde ele, deitado, consegue
ver o céu e as estrelas. As técnicas usadas por ele para construção do buraco e
a produção de desenhos em relevo esculpidos fora e na parede do local chamaram
a atenção. De acordo com ele, alguns animais são frequentadores da caverna. “As
abelhas e formigas vêm me visitar. Elas também não gostam de luz”, contou.
As técnicas
usadas por ele para construção do buraco e a produção de desenhos em relevo
esculpidos fora e na parede do local chamaram a atenção. De acordo com ele,
alguns animais são frequentadores da caverna. “As abelhas e formigas vêm me
visitar. Elas também não gostam de luz”, contou.
Cerca de 50
minutos depois, na despedida, foi generoso com o sorriso e agradeceu a visita.
Disse que não sabia o que estava acontecendo e estava feliz. Ao ser questionado
se precisaria de algo, foi enfático. “Sou feliz aqui. Não preciso de nada. Sou
feliz com os animais. Eu durmo com eles”, destacou, antes de, mais uma vez, a
conversa ser interrompida pelo “relâmpago” que estava falando algo para ele.
“Ele me fala as coisas que eu preciso fazer”, completou.
Na cidade,
as pessoas conhecem Antônio como o “homem do buraco”, “o homem do mato” e
muitas delas não entendem o porquê de ele ter essa vida. Esta pergunta não foi
respondida por ele, nem pela irmã, única pessoa que cuida dele. “Mas ele não
faz mal para ninguém. As pessoas não precisam ter medo dele”, disse Raimunda.
O medo,
realmente, é infundado e isso fica claro quando se fala com ele. Sujo e com um
cheiro forte, Antônio é calmo e tranquilo. Segundo a irmã, ele não toma banho,
não faz a barba e muito menos corta as unhas. “Já tentamos dar banho nele, mas
ele não quer. Diz que os animais não tomam banho e ele também não”, contou. Ela
disse ainda que a água que ele toma é de um rio que passa no fundo da fazenda.
“Ele não aceita nada que a gente dá para ele. E também não come carne, só
salame.”
Confira as fotos
Esquizofrenia
Paranoide
A irmã dele
contou que desde 1990 Antônio vive nessas condições. Segundo ela, várias
tentativas para mudar a vida do irmão foram feitas. Porém, todas frustradas.
“No começo, ficamos sem entender. Depois, ficou confirmado que ele é doente”,
disse.
O laudo
médico anexado aos autos atestou que Antônio tem esquizofrenia paranoide, uma
perturbação mental grave caracterizada pela perda de contato com a realidade
(psicose), alucinações e delírios (crenças falsas). No caso de Antônio,
percebe-se que existe uma lógica perfeita dentro do delírio, só que ela não
corresponde à realidade.
“Periciado
tem déficit cognitivo e desorientação mental com alienação mental sendo incapaz
para a vida independente e para o labor”, constatou a avaliação do médico
perito. O laudo pericial foi realizado uma semana antes da data da audiência e
na porta do fórum. “Tive que buscá-lo e prometer que o levaria de volta. Ele
não saia de lá há mais de ano”, frisou Raimunda, irmã dele. “A vida dele é isso
aqui. Ele não aceita nada e diz que não precisa de nada. Sabemos que é doente e
que precisa se tratar”, destacou a irmã.
Benefícios
previdenciários
Com o sol se
pondo, a equipe deixou o local e chegou à comarca de Iaciara, às 21 horas. A
experiência deixou o magistrado intrigado. “É diferente de tudo que a gente já
viu. Ali é o mundo dele. Ser juiz é isso”, desabafou. No outro dia, Everton
Pereira, além de instruir e julgar a ação de interdição de Antônio, sentenciou
os processos de pensão por morte dos pais dele, por ele ter sido considerado
incapaz.
“O autor se
isolou no meio da mata, abdicando de cuidados higiênicos, morando num buraco
por ele construído, criando animais e com alimentação precária. A inspeção
judicial reforçou a incapacidade já atestada no laudo médico pericial”, destacou
o juiz. Com isso, Antônio receberá a pensão do pai e da mãe. No entendimento do
juiz, “é possível a cumulação de pensões por morte em decorrência do
falecimento de ambos os genitores do filho menor ou maior e inválido”.
Ainda de
acordo com ele, não há vedação à percepção conjunta em decorrência do óbito de
ambos os genitores. “Portanto, do ponto de vista estritamente legal, mostra-se
possível a concessão de ambas as pensões por morte”, reafirmou.
O advogado
do caso, Eder César de Castro Martins, admitiu que o resultado positivo da
sentença só foi possível devido à iniciativa do juiz. “O fato de ele ter ido ao
local para conferir as informações fez com que Antônio recebesse o que lhe é de
direito. Se isso não tivesse acontecido, ele não iria receber porque não ia
sair da zona de conforto dele”, frisou.
Ainda de
acordo com o advogado, se não fosse o mutirão, o processo demoraria de três a
quatro anos para ser resolvido. “Antônio já teve seu problema solucionado. É
uma iniciativa muito boa. O TJGO está de parabéns, levando Justiça aos lugares
mais inusitados”, elogiou sorrindo.
(Texto:
Arianne Lopes / Fotos: Aline Caetano - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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