Quando a
menina saiu pro mundo, a ausência se espalhou na casa da família. A mãe varreu
quarto, sala e cozinha com os olhos arregalados, mas não viu ninguém. Correu
até a calçada procurando resposta. O tempo de lançar a vista pra rua foi o
mesmo do espanto: a filha sumiu sem deixar qualquer pista de paradeiro.
As cenas, de
tanto serem repetidas, pareceriam flashbacks, não fossem as descrições
detalhadas dos desaparecidos nos boletins de ocorrência. As características,
contidas também nos formulários preenchidos pelos pais nos Centros de
Referência Especializados da Assistência Social (Creas), traçam o perfil: 75%
das 94 crianças e adolescentes cujo desaparecimento foi registrado neste ano no
Estado são mulheres de 12 a 17 anos.
Elas saem de
casa para fugir da família, da falta de diálogo, da opinião divergente dos
pais. Lançada à própria sorte, a maioria acaba se arrependendo e retornando ao
lar. Isso explica, em parte, o alto índice de localização dos desaparecidos:
neste ano, 94% dos jovens de até 17 anos registrados voltaram ao convívio
familiar.
Quando a
pessoa é localizada, a gente faz um atendimento preliminar com a família para
encaminhar ao acompanhamento com psicólogo e assistente social. A gente faz o
acompanhamento psicossocial aqui ou encaminha aos Creas mais próximos",
explica a assistente social do Creas, Rafaele Barbosa.
Dos 578
casos de desaparecimento de menor registrados pela Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social (STDS) nos últimos cinco anos, 93,5% foram localizados.
A maioria está concentrada em Fortaleza. Neste aspecto, porém, os dados revelam
outra realidade: a dificuldade de contabilizar e acompanhar efetivamente os
casos.
Isso porque,
conforme Rafaele, ainda são expressivas as ocorrências que deixam de ser
registradas. Mesmo os casos que acontecem no Interior são contabilizados pela
STDS quando as unidades do Crea enviam as informações, o que nem sempre é
feito. "Há muitos casos que não chegam nem até a gente nem à Polícia.
Ainda há muita falta de informação da população para efetivar o registro",
diz.
Apesar dessa
dificuldade, a assistente social explica que a maioria dos casos atendidos nos
Creas envolvem a fuga do lar por adolescentes em razão do uso de drogas ou por
desentendimentos com a família. "Muitos deles são localizados porque
desistem da fuga. O retorno é mais pessoal, o que não quer dizer que os órgãos
sejam ineficientes. Eles são fundamentais nesse processo", afirma.
Uma
estatística menor vem escondendo o tamanho da dor de mães que foram obrigadas a
trocar o crescimento do filho pelo silêncio ensurdecedor de sua ausência. Quase
9% dos registros de desaparecimento de menores deste ano são de crianças de até
11 anos. Embora tenha o menor percentual, o perfil cujas causas são menos
explicadas e, como os outros, deixa marcas gigantes.
Ausência
Era uma
tarde quente de julho. José Lucas Pereira Queiroz saltitava com os pés miúdos
de quem mal completou 3 anos de idade, movimento intenso para rolar a bola no
quintal da casa da avó. A irmã, de 20 anos, o observava, enquanto os ponteiros
caminhavam rumo às cinco da tarde. No breve instante que a irmã entrou para
chamar a mãe, o menino virou ausência. Os olhos maternos só viram a mata
silenciosa no fim do quintal.
Com a mãe
sem forças e a falta de respostas dos órgãos de investigação, tios e primos tomaram
a iniciativa e percorreram meios de comunicação para tentar encontrar o menino.
"Mas, até agora, nenhuma notícia", diz a tia, Maria Sila de Queiroz
da Silva. "Bombeiros já foram procurar e cães farejadores. Até a Marinha,
porque tem uma lagoa atrás da mata. Ninguém encontrou. Cada dia que se passa,
já disseram que fica mais difícil".
As primeiras
horas após o desaparecimento são cruciais. Por isso, em 2005, o governo federal
sancionou a Lei 11.259, conhecida como Lei da Busca Imediata. O objetivo foi abolir
a espera de 24 horas e garantir investigação imediata em caso de
desaparecimento de menores.
A assistente
social Rafaele Batista informa que, ao identificar um desaparecimento, a
primeira coisa que o familiar precisa fazer é procurar a delegacia. "É o
primeiro procedimento. Se a família quiser que o fato veicule nos órgãos e
meios de comunicação parceiros, pode se dirigir ao Creas que a gente encaminha.
Aqui tem um flanelógrafo com todas as fotos. Até quem vem para um atendimento
às vezes identifica e localiza", diz.
Para ajudar
no trabalho de busca, o Creas solicita informações como a roupa que estava
usando, onde o desaparecido foi visto pela última vez, além de procurar saber
sobre as relações familiares e afetivas.
Para tentar
evitar essas situações, diz Rafaele, os pais devem ter um diálogo cada vez mais
aberto com os filhos e observar o círculo de amigos.
Como
proceder
1. O
familiar que identificou o desaparecimento de um ente deve fazer um boletim de
ocorrência (B.O.)
2. Em
seguida, deve procurar o Creas (Rua Tabelião Fabião, 114, bairro Presidente
Kennedy), com foto atualizada do desaparecido e o B.O.
3. O Creas
deve escanear o material e encaminhar aos órgãos parceiros para que o material
seja veiculado
4. O Creas
entra em contato com a família semanalmente para fazer o acompanhamento do caso
5. Uma vez
localizado o desaparecido, o Creas chama a família e encaminha para
acompanhamento psicológico ou demais serviços necessários
Mais
informações
Para tirar
dúvidas sobre os procedimentos ou firmar denúncia sobre o tema, basta entrar em
contato por meio do telefone 0800.285.1407
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