FORTALEZA
(CE) - O Ceará passa pela pior seca dos últimos 55 anos. Dos 184 municípios que
compõem o estado, 96% decretaram situação de emergência, ou seja, 176 cidades.
Nestes lugares onde a chuva não chega e os mananciais estão à beira de um
colapso, a água para beber é difícil e, muitas vezes, vem de carro-pipa, porém
a qualidade do líquido distribuído para o consumo é desconhecida pela
população.
Este ano, os
resultados referentes a potabilidade da água presente nos 1.101 carros-pipa,
que atendem a 122 municípios no estado, não constam no Sistema de Informação de
Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA), do Ministério da
Saúde. Segundo a pasta ministerial, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa),
responsável pelo controle, não enviou os dados de 2013 e 2014.
Apesar de o
Relatório Sobre Vigilância da Qualidade da Água ter sido amplamente divulgado
em 2013 pela Sesa, a assessoria de comunicação do órgão informa que a
responsabilidade por este monitoramento é da 10ª Região Militar e o estudo de
2013 estava com o órgão do exército.
FALTA LAUDO
E MONITORAMENTO
Os dados do
documento foram utilizados para elaboração do relatório final de 2013, da
Comissão Especial da Assembleia Legislativa (AL-CE), que acompanha a
Problemática da Seca e as Perspectivas de Chuva no Ceará. Segundo o estudo, das
128 localidades que recebiam água de carro-pipa, apenas 28 tinham veículos
cadastrados no SISAGUA e coletavam amostras para a vigilância da qualidade da
água.
Em consulta
ao coordenador da Operação Carro-Pipa no Ceará, o Coronel Claudemir Rangel dos
Santos, sobre os dados atualizados deste monitoramento, diz que ao exército
cabe a distribuição da água e a cobrança do laudo de potabilidade dos
mananciais aos municípios atendidos. Ele nega que este tipo de estudo seja de
responsabilidade da 10ª Região Militar.
- O Exército
não tem condições e nem aparatos técnicos para fazer esta análise, nossa função
é a distribuição, assim como determina a portaria interministerial do
Ministério da Integração e do Ministério da Defesa - esclarece.
Segundo o
coordenador da operação no Ceará, foi pedido a Sesa que indicasse uma equipe da
Vigilância Sanitária para acompanhar o processo de contratação dos pipeiros e
verificasse se o carro a ser contratado atendia ou não os termos da Vigilância
Sanitária, mas ainda não há resposta.
- Enviamos
um ofício, mas não nos responderam. Nosso objetivo era ter uma equipe da
vigilância, cada vez que os carros-pipa fossem sorteados para trabalhar na
operação - acrescenta o Coronel.
Sobre o
cadastro dos carros no SISAGUA, Rangel afirma que, em 2013, ocorreram mudanças
no sistema de contratação dos pipeiros, e este passou a ser um credenciamento
por inelegibilidade de licitação, em que, trimestralmente, os contratos são
renovados.
Por conta
desta rotatividade, Rangel diz que foi pedido a Sesa a senha para acessar o
SISAGUA para que, desta forma, o Exército pudesse realizar diretamente o
cadastro dos pipeiros. Porém, de acordo com o Coronel, esta foi negada, e
fichas foram distribuídas para serem preenchidas manualmente e posteriormente
entregues à Secretaria da Saúde.
Ainda
segundo Rangel, 1.048 cadastros estão sendo feitos e devem ser entregues em
alguns dias. Este quantitativo é somente dos carros sobre responsabilidade do
Exército Brasileiro, outros outros 54 são da gestão estadual.
- Em relação
ao cadastramento dos carros-pipa no SISAGUA, este será feito nos próximos dias,
pois mandaremos para eles as fichas com todos os dados dos carros, tais como
placa, nome do motorista, CPF, entre outras informações - garantiu o
coordenador da operação no Ceará.
Conforme
portaria do Ministério da Integração e do Ministério da Defesa, o Comando de
Operações Terrestres do Exército Brasileiro (Coter) é responsável pela execução
do programa Operação Carro-Pipa, incluindo distribuição da água, contratação,
seleção e pagamento dos pipeiros.
A Portaria
2.914 de 2011 diz que toda água destinada ao consumo humano, distribuída
coletivamente por meio de sistema ou solução alternativa coletiva de
abastecimento, deve ser objeto de controle da vigilância da qualidade. E que
esta vigilância deve ser promovida e acompanhada pelas Secretarias de Saúde dos
estados.
MOSTRAS
CONTAMINADAS
A situação
preocupa, pois de acordo com o relatório da Comissão da Seca da AL-CE, o
estudo, quando a SESA analisou 381 amostras de água de 28 municípios (os únicos
que possuem carros-pipas cadastrados no sistema de informação e coletaram
amostras), concluiu-se que 60% das amostras estavam contaminadas: 18% (70) com
a bactéria Escherichia coli e 42% (160) com coliformes fecais.
O Ceará
registrou, em 2013, um número elevado de casos de doenças diarreicas agudas.
Municípios tiveram surtos do problema que está relacionado à qualidade da água
que chega à população. Os dados da Sesa, apontavam que a estiagem é “relevante”
na ocorrência de doenças diarreicas agudas (DDAs). No Ceará, foram confirmados
cerca de 200 mil casos. Não há informação de óbitos, mas 14 municípios somaram
77 surtos.
Em cidades
como Quixadá, a 200km da capital, 64 carros-pipa levam água para a população.
Lá mora o agricultor Antônio César Alves, 43 anos, que apesar de não duvidar da
qualidade da água, diz que muitas vezes pede ao pipeiro para que não adicione
cloro.
- É que fica
difícil para beber, o gosto fica forte e dá diarreia nas crianças e até nos
adultos.
Segundo a
Secretaria municipal de Agricultura, cada vez mais tem se colocado mais pedras
de cloro nos tanques dos carros-pipa, pois, a cada dia, está mais difícil
encontrar água potável nos mananciais. De acordo com o órgão, o correto é uma
pedra de cloro para cada sete mil litros, mas atualmente tem se colocado de
três a quatro pedras.
Para o
professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade
Federal do Ceará (Deha-UFC), Francisco de Assis de Sousa Filho, os cenários de
seca hoje no país, que incluem tanto a escolha de soluções adequadas quanto a
correta fiscalização dos mananciais, é resultado da carência de um plano de
águas para a população rural difusa e um plano de secas com medidas claras.
- A seca é
um fenômeno natural, mas com impactos sociais muito relevantes. Portanto,
precisamos de planos que se adiantem à seca, que identifiquem e monitorem este
processo. Pois hoje, seja no Nordeste ou no Sudeste, as ações para seca são
definidas na própria seca - alerta.
Segundo
Assis, hoje, no Brasil não existe um plano de águas para população rural
difusa, e por não existirem, tanto a comunidade quanto o próprio governo
aplicam dinheiro em medidas não tão eficientes.
Nos últimos
34 anos, houve 14 secas no Ceará. Em 2013, a quadra invernosa ficou 37,7%
abaixo da média histórica do estado. O governo estadual investiu R$ 1,18 bilhão
em Segurança Hídrica, bem como R$ 384,5 milhões na construção de 143.866
cisternas em todo o Ceará.
Fonte: O
Globo.com
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