Mulungu/Guaramiranga/
Pacoti. A lamúria da escassez de água na serra é a mesma do sertão, com o
adicional de um maior desce e sobe ladeira para deixar água em casa vinda de um
chafariz com água barrenta, mas "é a que tem". Para fazer a comida,
tomar banho e lavar roupa. A falta de chuvas também comprometeu os
reservatórios que abastecem a região, mas há outro adicional: o desmatamento
para construção de casas de veraneio e hotéis, bem como o aumento da demanda
por água gerada por esse crescimento populacional contribuiu para a
"morte" das nascentes de água. Assim, cidades como Guaramiranga,
Pacoti e Mulungu pagam uma conta alta no processo de urbanização. Nesse caminho
das secas, o serrano, tal qual o sertanejo, mantém a esperança com a fé na
devoção aos santos.
Altitude
Quanto mais
alto, mais difícil de chegar água. Com pressão menor para subir pelos canos, a
água chega pouca à casa de José Mairton, no Centro de Pacoti. Passa até dois dias
sem água. "Quem não tem uma caixa d'água, ou muitos baldes para guardar,
fica sem água.
Em cidade
com racionamento, quem tem caixa d'água é rei. Francisco Nailton, filho de José
Mairton, é um vizinho sem caixa. Pede a bênção ao pai e licença para pegar
água, afinal, são quatro crianças para alimentar. Mas a vida deles é
"boa" se comparada aos moradores do Sítio Areia, 500 metros distante
dali e uns 30 metros mais elevada. Há uma pressão menor para que a água, que já
é pouca, suba.
De acordo
com o geógrafo Adriano Mendes, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), os
desmatamentos das encostas, provocado pelas construções, notadamente hotéis e
casas de veraneio, têm gerado erosões e contribuído para a perda de água nas
nascentes. A vegetação nativa possibilitava a infiltração no solo e, assim,
acúmulo de água das chuvas.
Chafariz
Na casa de
seu Luiz Gonzaga passa até uma semana sem aparecer água fornecida pela
Companhia de Água e Esgoto (Cagece), que atende aos três municípios visitados
pela reportagem. Por sorte, mora mesmo em frente a um dos chafarizes
administrados pela Prefeitura Municipal. A água é obtida de um poço profundo e
bombeada até o alto.
"Não
fosse o chafariz, não tinha água", afirma. Não tivesse esse equipamento,
as cerca de 30 famílias da "Rua 105" teriam que buscar do outro lado
da comunidade, que tem um chafariz abastecido com carro-pipa porque o poço
profundo secou.
Com o menor
nível de água subterrânea, é preciso cavar cada vez mais fundo para se obter
água. Mas cria-se um problema. Quem cava um poço de 40 metros
"desvia" a água de quem tem um poço de 35 metros, por exemplo. O
resultado é que o poço mais raso seca. E quando o poço chega próximo de 100
metros (que só consegue o poder público ou particulares com recursos
suficientes), secam os poços residenciais da comunidade.
A localidade
de Linha da Serra, em Guaramiranga, é conhecida pela estátua de Nossa Senhora
de Fátima e por ter um dos principais mirantes da serra, de onde se avista
bonito por do sol, o que se dá numa frequência maior do que a chegada de
carro-pipa para abastecer o único chafariz da comunidade e as cisternas de quem
as possui. "Não é todo dia que tem carro-pipa, falta água, e olha como
vem", afirma o agricultor Antônio Tadeu ao mostrar um balde branco com
água muito escura. Sua esposa, Antônia Batista, relata que há vários casos de
crianças acometidas com diarreia. "Só pode ser a água", aponta.
ENQUETE
Como chega o
abastecimento?
"Aqui
na Linha da Serra não tem água encanada. O que chega é do caminhão e vem suja.
Depois que coloca no balde precisa deixar o barro afundar para tirar água mais
limpa e mesmo assim as crianças estão adoecendo"
Antônia
Batista
Dona de casa
em Guaramiranga
"Às
vezes faz uma fila grande de madrugada para garantir água. Não pode faltar, mas
falta. Tenho seis filhos para cuidar. Ontem mesmo pedi um balde d'água
emprestado de uma vizinha para fazer o almoço"
Arleide
Soares
Dona de casa
em Pacoti
Sobe para 25
cidades abastecidas pela Cagece com
racionamento hídrico
Fortaleza.
Pelo menos 25 cidades dependentes do abastecimento pela Companhia de Água e
Esgoto do Ceará (Cagece) estão com algum tipo de racionamento. Seis cidades a
mais que um mês atrás. Mas esse número é menor que se levados em conta os
municípios cearenses controlados por Sistema Autônomo de Água e Esgoto (Saae).
Como não existe o mesmo modelo de centralização, as medidas de contenção acabam
sendo decisões de cada administração local. Mas de acordo com Gianni Lima, da
Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH), quem define o racionamento é
mesmo a falta de chuvas e os reservatórios secos. "O controle é uma forma
de garantir que não se acabe".
Abastecidos
pela Cagece com redução na oferta de água: Quiterianópolis, Catunda, Novo
Oriente, Crateús, Ararendá, Jaguaretama, Capistrano, Caridade, Potiretama,
Iracema, Alcântara, Hidrolândia, Farias Brito, Ipaumirim, Umari, Baixio,
Trairi, Pentecoste, Croatá, São Luís do Curu, Irauçuba, Pacoti, Aratuba,
Palmácia e Mulungu.
No Conjunto
Planalto, em Mulungu, dizer que há racionamento já não faz muita diferença
porque a comunidade se abastece da água de um chafariz, via poço profundo.
"Tem uma semana que não vem água, mas o papel chega todo mês, afirma José
Cláudio, que leva a conta de água até o chafariz que abastece sua casa para
provar o que está falando.
Em nota, a
Cagece afirma que estão em execução medidas operacionais no sistema de água,
devido à baixa oferta de água bruta provocada pela estiagem. Anuncia que ontem,
em Pacoti, novos poços entraram em operação.
Com relação
à fatura de água, a Cagece informa que em áreas com abastecimento mais
irregular, como alguns bairros de Mulungu, os clientes são beneficiados com a
medição pelo consumo real, ou seja somente pagam pelo volume consumido.
Melquíades
Júnior
Repórter
Agricultor José Cláudio mostra a conta da Cagece ao lado do chafariz público que abastece o Conjunto Planalto, em Pacoti, no Maciço de Baturité |
Folha Serrana, um site criado para mostrar os fatos e cultura dos Bastiões/Iracema e toda a região jaguaribana...
Leia Mais sobre o autor